Fome emocional: será que a comida se tornou…
A relação com a comida revela questões intrínsecas à evolução da espécie humana.
A necessidade de sobrevivência e de ir atrás do alimento nos primórdios da humanidade deu lugar, atualmente, à facilidade de acesso a alimentos que podem até mesmo encurtar os anos de vida ou piorar significativamente sua qualidade.
Há um componente emocional importante nesta equação, tornando o tratamento dos transtornos alimentares subjetivo e complexo. Comida é sinônimo de afeto, e as memórias (boas ou ruins) dos “afetos comestíveis”, presentes em todos nós, interferem diariamente no nosso comportamento alimentar.
O papel da genética
Além da memória evolutiva que todos os seres humanos carregam, a ciência já mapeou genes que interferem no comportamento alimentar e na nossa relação com a sobrevivência. E outros que afetam metabolismo, inflamação e predisposição a doenças relacionadas.
Esses “pedaços” do genoma humano podem indicar qual o melhor tipo de dieta para cada pessoa, assim como a melhor intervenção terapêutica.
A incidência de transtornos alimentares entre parentes pode ser até dez vezes maior. Além das prováveis variantes genéticas, essa incidência também está relacionada com comportamentos disfuncionais herdados, bem como a interferência das emoções (ansiedade, tristeza, medo etc.) no comportamento alimentar.
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Mas de onde vêm os problemas emocionais relacionados à comida?
Em primeiro lugar, da cultura e do ambiente. É muito comum encontrar, no consultório, meninas em idade precoce (antes dos 10 anos) já preocupadas em emagrecer, em uma fase em que ainda precisam crescer em altura e ganhar peso naturalmente.
Desde cedo, as mulheres crescem dentro de um padrão cultural que valoriza excessivamente a aparência física, muitas vezes inatingível e irreal. As mães acabam reproduzindo, na educação das filhas, as cobranças que receberam em relação à aparência.
Assim, a autoestima das mulheres é construída baseada na aparência física, associando a magreza à felicidade e ao sucesso. Às vezes, um comentário de um familiar (muitas vezes os pais), de uma amiga ou de um colega da escola pode ser um gatilho para problemas no padrão alimentar.
Além disso, as redes sociais, com seus filtros irreais usados por celebridades, representam um fator importante na origem desses transtornos.
Tudo isso leva a crenças inconscientes e disfuncionais, além de uma distorção cognitiva em relação ao corpo, criando uma relação problemática com a comida.
Fatores de risco para transtornos alimentares
Os principais são:
- Relações parentais disfuncionais
- Grande importância dada à aparência (tanto na questão física quanto no desempenho em diversas áreas da vida)
- Pais rígidos
- Acentuada autocrítica
- Perfeccionismo
- Autoestima frágil
- Personalidade insegura
Essas características podem predispor ao desenvolvimento de transtornos de humor, ansiedade, dificuldades no controle de impulsos e alterações no comportamento alimentar.
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E como melhorar a relação com a comida?
Para crianças e adolescentes:
- Conscientizar os pais sobre a expectativa em relação à aparência e aos padrões de beleza impostos às mulheres desde a infância.
- Buscar saúde e equilíbrio, muito mais do que aparência.
- Incentivar a adoção de alimentos saudáveis.
- Perceber quando há emoções gerando ansiedade ou angústia que interferem no comportamento alimentar (o que também ocorre em meninos).
Para adultos com rotina atribulada:
- Buscar uma dieta saudável, percebendo qual se adapta melhor à sua genética.
- Praticar o comer consciente, respeitando memórias afetivas, cultura e gostos pessoais, sem exageros.
- Buscar ajuda de profissionais de saúde mental para compreender as emoções e transtornos mentais que podem necessitar de intervenção profissional.
*Gianna Testa é psiquiatra (CRM: 15231)
(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)