De stents a smartwatches: como a tecnologia…
Anualmente, quase 20 milhões de pessoas morrem por doenças cardiovasculares no mundo. No Brasil, são cerca de 400 mil vítimas de males como o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC). É a principal causa de morte no país e no globo.
Esses incidentes, porém, podem ser prevenidos com o devido controle de fatores de risco, o que envolve desde a adoção de hábitos mais saudáveis até o uso de medicamentos e a realização de procedimentos cada vez menos invasivos.
Essas soluções já foram condensadas até para relógios inteligentes, que ajudam a monitorar o ritmo do coração, e estão espalhadas por hospitais de todo o país, mas o acesso a algumas técnicas ainda é restrito.
“Aqui no Brasil, uma vez desenvolvida e comprovada a segurança e eficácia da tecnologia junto à Anvisa, a tecnologia torna-se apta a ser comercializada no país, mas isso não significa necessariamente um amplo acesso para a população“, pondera Murilo Contó, diretor de economia da saúde e acesso da Boston Scientific do Brasil.
À VEJA SAÚDE, o especialista em tecnologia em saúde lista as principais novidades no tratamento e prevenção de doenças cardiovasculares e avalia quais são os principais desafios na penetrância dessas inovações nos sistemas de saúde.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsApp
VEJA SAÚDE: Doenças cardiovasculares são a maior causa de morte no mundo. Como a tecnologia pode nos ajudar a reduzir esse risco e a melhorar a qualidade de vida?
Murilo Contó: Primeiramente, é importante contextualizar o conceito de tecnologia. Atualmente, ele está muito associado à informática, mas, quando aplicado à área da saúde, há uma definição muito mais ampla.
Nós temos tecnologias “leves” e “duras”. Basicamente, as leves consistem em técnicas e procedimentos clínicos ou organizacionais, incluindo aplicativos e softwares. Já as duras envolvem maior complexidade: são medicamentos, equipamentos e dispositivos médicos.
A redução de risco de morte por doença cardiovascular e melhora da qualidade de vida começa pelas tecnologias leves. Elas têm caráter mais preventivo, buscam estimular mudanças no estilo de vida, como a prática de atividade física e os cuidados com a saúde mental, que aliviam o estresse do dia a dia.
Mas, como nem tudo pode ser resolvido apenas com tecnologias leves, temos as tecnologias duras, que também ajudam na prevenção, mas, principalmente, no tratamento para recuperar as funções cardiovasculares comprometidas.
+ Leia também: Com o coração nas nossas mãos: aprenda a cuidar melhor dele
Hoje em dia, quais tecnologias simples podem ser integradas ao cotidiano de pacientes com doenças cardiovasculares?
Podemos citar os smartwatches, que podem auxiliar a detectar doenças cardíacas pelo simples acompanhamento do ritmo cardíaco.
Indo um pouco mais além, uma enorme variedade de tratamentos minimamente invasivos que permitem acessar e tratar o coração sem a necessidade de uma cirurgia de peito aberto — extremamente traumática e de lenta recuperação.
Esses métodos, que consistem em acessar o corpo do paciente por meio de pequenas incisões, são capazes de implantar stents no interior de artérias coronárias (as artérias que irrigam o próprio coração) para tratar ou prevenir infartos. Eles também servem para realizar a ablação de células do tecido cardíaco para neutralizar focos de arritmias e até mesmo substituir uma válvula cardíaca que já não controle adequadamente o fluxo sanguíneo.
Tudo isso com o uso de cateteres que chegam até o coração pelas veias do paciente.
+ Leia também: As 10 dicas de ouro para proteger o seu coração, segundo a ciência
Como a introdução dessas tecnologias beneficia o sistema de saúde?
Todos esses tipos de tratamentos minimamente invasivos representam menores riscos e uma recuperação mais rápida para o paciente. E, no fim do dia, eles também se traduzem em menores custos e maior eficiência para todo o sistema de saúde.
Em outras palavras, melhora a qualidade de vida dos pacientes, gerando eficiência para o sistema de saúde.
Ainda, o avanço tecnológico em outros dispositivos cardíacos implantáveis como, marca-passos e cardio-desfibriladores, possibilitam que os pacientes vivam mais, com mais conforto, e sem a necessidade de reintervenções, por exemplo, para substituição desses dispositivos.
Isso porque suas dimensões são cada vez menores e as baterias, cada vez mais autônomas. Isso proporciona estabilidade no ritmo cardíaco e proteção contra morte súbita.
+ Leia também: Cresce a relevância do monitoramento remoto na jornada de cuidados
Quais são os maiores desafios no desenvolvimento e implementação de dispositivos para o tratamento de doenças cardíacas?
Como qualquer tecnologia em saúde desenvolvida para uso em seres humanos — e isso vale para medicamentos, dispositivos e equipamentos —, para que um produto esteja disponível para a população são necessários anos de pesquisa, desenvolvimento e ensaios necessários para comprovar sua segurança e eficácia.
Até chegarem efetivamente às fases de validação e ensaios, muitos testes, protótipos e provas de conceitos são realizados. No caso dos medicamentos, muitas moléculas que começam a ser investigadas sequer chegam na fase final de validação e ensaios.
Trata-se de um funil bastante estreito onde passam apenas tecnologias que possuem algum valor clínico relevante.
Talvez, o maior desafio que o ecossistema da saúde enfrenta atualmente é como acelerar esse processo — do desenvolvimento da inovação até o efetivo acesso à população.
Aqui no Brasil, uma vez desenvolvida e comprovada a segurança e eficácia da tecnologia junto à Anvisa, a tecnologia torna-se apta a ser comercializada no país, mas isso não significa necessariamente um amplo acesso para a população.
+ Leia também: Você conhece os direitos de quem tem câncer? Deveria!
Como é o processo de implementação dessas tecnologias?
Esse acesso mais amplo só é alcançado quando a tecnologia é novamente avaliada e aprovada por outros dois órgãos governamentais responsáveis pela incorporação tecnológica nos setores público e privado da saúde.
São eles a Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde], do Ministério da Saúde para o SUS [Sistema Único de Saúde], e a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] para o rol da saúde suplementar.
Esses processos de avaliação demandam muito trabalho, tanto por parte de quem demanda a incorporação como aos órgãos que fazem a avaliação para a tomada de decisão.
Esse extenso e minucioso trabalho consiste em demonstrar, com evidências científicas, não só a eficácia e segurança da tecnologia, mas também sua eficiência. É mensurado, sobretudo, seu potencial impacto para a qualidade de vida do paciente e para a sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Talvez o grande desafio que todo nosso ecossistema tem pela frente — incluindo indústria, governo, hospitais, planos de saúde e a sociedade civil organizada em associações médicas e de pacientes — seja exatamente acelerar esse processo do desenvolvimento à implementação para que a população e os próprios sistemas possam se beneficiar o quanto antes
+ Leia também: Exame faz varredura das placas de gordura nas artérias
Quais são as maiores demandas, hoje, no tratamento de doenças do coração?
Dentro da cardiologia, a doença arterial coronariana [DAC] responde pela maior parte da demanda, dada sua elevada prevalência e mortalidade na população quando não tratada adequadamente.
Essa doença pode ser prevenida com mudanças no estilo de vida e consultas regulares ao cardiologista, mas, se não tratada em suas fases iniciais, intervenções mais complexas serão necessárias.
Outra demanda significativa está associada ao controle de arritmias cardíacas, que também afeta milhões de pessoas. As alterações do ritmo cardíaco podem desencadear outros agravos na saúde do paciente, desde sintomas leves, como tontura e cansaço, a mais sérios, como o acidente vascular cerebral (AVC).
Quais doenças cardíacas precisam ganhar mais atenção da população? Há boas soluções para elas hoje?
Apesar da elevada demanda das DACs, é necessário prestar atenção também no tratamento das arritmias, em especial a fibrilação atrial.
Um paciente que possui fibrilação atrial possui risco aumentado de ter um AVC, mas o tratamento adequado da arritmia pode reverter esse quadro.
Uma nova técnica de eletrofisiologia — chamada PFA, que consiste em tratar a fibrilação atrial por campo elétrico pulsado via cateter venoso — está revolucionando o tratamento da fibrilação atrial. Ela apresenta uma elevada taxa de sucesso, com menor risco de eventos adversos e menor tempo de procedimento comparada a técnicas tradicionais de ablação, que utilizam energia térmica.
Esse é um exemplo de tecnologia com alto poder de gerar qualidade de vida com economia e eficiência para os sistemas de saúde.
Outro exemplo de terapia para pacientes portadores de fibrilação atrial é o fechamento do apêndice atrial esquerdo, que consiste no implante de um dispositivo que fecha uma pequena região anatômica do coração, onde se formam grande parte dos coágulos que causam o AVC isquêmico.
Esse procedimento tem um caráter preventivo contra o AVC, protegendo principalmente pacientes com fibrilação atrial que possuem alguma contraindicação ao uso de anticoagulantes.
Em uma pesquisa rápida na internet é possível verificar os pesados custos, financeiros e sociais, que o AVC tem para nossa sociedade, e uma solução como esse procedimento pode evitar toda essa carga negativa não só para o paciente, mas também para suas famílias e para os sistemas de saúde.
Para cada perfil de paciente há uma solução mais adequada para estabelecer a terapia apropriada. O cardio-desfibrilador implantável subcutâneo é um dispositivo que previne a morte súbita do paciente sem possuir qualquer contato direto com o coração, mantendo-o livre de cabos e eletrodos.
Quando pensamos em inovações para tratar doenças cardíacas, esses são, sem dúvida alguma, bons exemplos.
Compartilhe essa matéria via: