Miomas: tudo sobre o problema que atinge até…
O dia em que a fonoaudióloga paulista Flavia Giacinto, de 45 anos, deu à luz sua filha Luisa, hoje com 11 anos, foi uma vitória sobre um diagnóstico que, segundo muitos médicos que havia consultado, seria o fim de seu sonho de ser mãe.
Em 2008, ela chegou ao consultório com uma extensa lista de queixas, que incluíam cólicas terríveis, sangramento menstrual intenso, dor nas relações sexuais e… dificuldade para engravidar. Ao realizar um ultrassom transvaginal, descobriu-se o que era a pedra no caminho — ou melhor, as pedras.
“Eram miomas, muitos deles haviam crescido no útero e estavam causando todos aqueles sintomas”, relembra a fonoaudióloga. “Eu, que já havia lidado com endometriose e cistos nos ovários, nunca havia ouvido falar nisso. Foi um susto.”
Essa é uma reação comum entre mulheres que recebem o diagnóstico. “Os leiomiomas, mais conhecidos como miomas, são tumores benignos, isto é, não cancerosos. Eles podem crescer no músculo liso de diversos órgãos, mas, no geral, aparecem no miométrio, a camada intermediária do útero”, explica a ginecologista Carla Kikuchi, que atua no setor de endoscopia ginecológica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A baixa popularidade do termo, porém, não faz jus à sua alta prevalência. Estima-se que de 20 a 80% das mulheres em todo o mundo tenham ao menos um mioma ao longo da vida. A estatística pode variar conforme as tendências e os fatores de risco da população estudada, mas o fato é que esse é um dos problemas mais frequentes nas visitas ao ginecologista.
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Diagnóstico dos miomas
Em geral, os miomas passam despercebidos, sem dar sinais, até serem descobertos em exames de rotina.
Cerca de um terço das mulheres com esses nódulos, porém, apresenta desconfortos como cólicas, dor pélvica, aumento abdominal, pressão na bexiga, dor durante o sexo e sangramento menstrual intenso. “Essas manifestações vão depender de várias características, como o tamanho, a quantidade e a localização dos miomas”, esclarece Carla.
“Aqueles que estão mais próximos da camada interna do útero, o endométrio, têm maior chance de provocar sangramentos e de dificultar a implantação do embrião, prejudicando a fertilidade”, ilustra a médica.
Por essas e outras, essas formações podem causar um tremendo alvoroço na saúde física e mental das mulheres.
Segundo dados do Ministério da Previdência Social, em 2023, 41 952 brasileiras foram afastadas do trabalho e tiveram benefícios concedidos por incapacidade temporária em função do problema. Foi a terceira maior causa de não comparecimento ao emprego, atrás apenas de hérnia de disco e dor nas costas.
Mas — eis a boa notícia — é possível tirar essa pedra do meio do caminho.
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Fatores de risco
A primeira dúvida que surge para aquelas que são diagnosticadas com miomas é: como eles foram parar aí? A ciência ainda não sabe ao certo por que esses nódulos benignos se desenvolvem ou por que cada um deles tem um padrão de crescimento distinto. As mulheres podem apresentar um único caroço ou ter vários deles, com diferentes tamanhos e localizações.
O usual é que cresçam lentamente, ao longo de anos, mas também podem passar a ganhar volume em alguns meses. O que se sabe é que eles dão as caras no período fértil, ou seja, entre o início da menstruação e a menopausa.
Tumores que aparecem depois dessa fase merecem atenção especial, pela suspeita de câncer — que, bom frisar, é um problema de saúde completamente diferente dos miomas uterinos.
“O surgimento dos miomas depende de fatores genéticos e hormonais e é influenciado por questões como histórico familiar, obesidade, nuliparidade, puberdade precoce ou menopausa tardia”, explica o ginecologista Marcos Tcherniakovsky, diretor da Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE).
Ainda assim, há muito a desvendar sobre as origens e peculiaridades dessa condição. “Os miomas não são bem estudados, pelo menos não em comparação com outros tumores”, declarou o geneticista Mazhar Adli, professor da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.
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O cientista é o principal autor de um novo estudo publicado na revista Nature Communications, em que são descritas 24 áreas do genoma humano onde podem ocorrer variantes que predisponham ao aparecimento dessas massas. Anteriormente, conhecia-se o papel de cerca de 120 genes no processo.
Com os novos resultados, esse número saltou para quase 400. Os pesquisadores estão avançando na compreensão da doença, mas, por enquanto, não há nenhum teste genético disponível que identifique essas mutações ou que faça diferença no tratamento escolhido.
Hoje, para o diagnóstico, os médicos levam em consideração as queixas apresentadas pelas pacientes e, é claro, a presença de nódulos benignos em exames de imagem.
Como regra geral, o ultrassom transvaginal é suficiente para a detecção, mas exames complementares podem ser solicitados para excluir outras suspeitas e ter mais detalhes sobre o nódulo (ou os nódulos).
Isso é importante principalmente na preparação de procedimentos cirúrgicos.
Os miomas são, ainda, classificados de acordo com sua localização no útero. Aqueles que ficam mais próximos da camada interna do órgão tendem a provocar mais sintomas. Mas isso também depende do tamanho e da quantidade.
Tudo que será pesado para a eleição do melhor tratamento.
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Pedras vão rolar
Quem convive com as manifestações intensas e incapacitantes dos miomas também costuma lidar com outro problema: a falta de profissionais habilitados para lidar com a condição.
Em boa parte dos casos, a solução indicada pelos médicos é a histerectomia, ou seja, a retirada do útero — opção que impede a mulher de ter filhos no futuro.
Foi a orientação que Flavia recebeu de 12 doutores antes de encontrar um ginecologista especializado em cirurgias minimamente invasivas, capaz de retirar os tumores e preservar o útero. Essa é uma realidade compartilhada por mulheres ao redor do mundo.
Segundo um levantamento americano, quase 60% das pacientes que tiveram seu útero removido não foram orientadas antes a procurar alternativas menos radicais para tratar os nódulos.
A análise de uma equipe da Clínica Mayo, um dos principais hospitais dos Estados Unidos, concluiu que os procedimentos menos invasivos são subutilizados. Em artigo publicado no New England Journal of Medicine, os experts enumeram opções disponíveis hoje e explicam por que elas devem ser priorizadas em relação à cirurgia mais radical.
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“Tratamentos menos invasivos podem ajudar as mulheres a se recuperar mais rápido e voltar a desempenhar suas atividades normalmente”, afirma Shannon Laughlin-Tommaso, ginecologista da entidade e líder do trabalho, em comunicado à imprensa.
Além disso, pesquisas recentes têm apontado um risco maior de desenvolver ansiedade, depressão e doenças cardiovasculares entre aquelas que passam por histerectomia.
“Mulheres que estão pensando em fazer essa cirurgia merecem aconselhamento sobre os riscos, pois há outras opções menos invasivas para as que sofrem com miomas”, reforça a professora.
Opções de tratamento
A decisão do tratamento é algo a ser compartilhado entre médicos e pacientes. Entre as mulheres que preferem a solução definitiva de retirar o útero estão as que optam por não ter filhos, as que já tiveram quantos desejavam e as que veem na abordagem uma solução para limar outros problemas ginecológicos.
Veja: de 20 a 25% das pacientes com miomas também convivem com outras encrencas, como endometriose e adenomiose. A maioria delas, porém, prefere preservar o órgão. A escolha do melhor caminho deve ser feita após se pesarem os prós e contras de cada método — dos mais aos menos invasivos.
“O tratamento precisa ser individualizado, porque cada mulher tem suas características próprias”, afirma o ginecologista Cláudio Bonduki, coordenador do setor de mioma uterino da Unifesp. “É preciso levar em consideração a idade, os sintomas apresentados e a intensidade deles, e se ela tem o desejo de engravidar.”
Há também aquelas que já constituíram família e não querem mais filhos, mas preferem manter o útero mesmo assim. A despeito da técnica, hoje se sabe que o modo mais eficaz de extirpar os miomas é via cirurgia. Pois é: não há um remédio que os faça diminuir ou sumir no longo prazo.
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“Medicamentos para dor ou para diminuir ou bloquear os ciclos menstruais podem ser usados a fim de controlar os sintomas, mas eles não resolvem o problema”, esclarece o ginecologista Alexandre Silva e Silva, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Aliás, há alguns fármacos, chamados de agonistas do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH), que são utilizados especificamente antes de algumas cirurgias, quando os médicos querem tentar reduzir o tamanho do nódulo para depois operar.
“Eles, no entanto, só podem ser usados por três a seis meses, porque podem induzir a menopausa precoce. Além disso, são de alto custo, e, assim que a paciente para de tomá-los, os miomas voltam a crescer”, pontua Silva.
Recentemente, o Reino Unido aprovou uma nova medicação dessa classe, o linzagolix. Projeta-se que, por lá, mais de 30 mil mulheres possam ser beneficiadas pela droga. Para quem quer se livrar dessas massas incômodas e preservar o útero, uma das saídas mais prescritas hoje é a miomectomia, ou seja, a retirada somente dos miomas.
“Temos muitas técnicas para fazer isso, mas ainda precisamos atualizar e capacitar mais cirurgiões para oferecerem essas soluções no país”, expõe o ginecologista Thiers Soares, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (Sobracil).
A remoção dos tumores pode ser feita via aberta (a mais comum) e por métodos menos invasivos, como por laparoscopia ou com auxílio de braços robóticos.
Esses últimos reduzem o tempo de recuperação da paciente e os riscos da operação. “A depender do procedimento escolhido, a mulher pode estar liberada para tentar engravidar entre três e 12 meses depois”, prevê Soares, que atua no Rio de Janeiro.
A gravidez pode ser natural ou por fertilização in vitro: isso irá depender mais dos ovários do que do útero, ainda que ele seja essencial para a implantação e o crescimento do feto. Um detalhe sobre a miomectomia é que, após um período de três a cinco anos, os nódulos tendem a voltar a crescer.
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“Como a genética é um componente importante no surgimento dos miomas, e nós não conseguimos mudá-la, eles realmente podem retornar e uma nova cirurgia ser necessária”, explica Tcherniakovsky. Dentro do arsenal terapêutico atual, outro procedimento que pode ser procurado é a embolização, que obstrui artérias uterinas conectadas a tumores em crescimento.
Essa técnica, no entanto, é contraindicada a mulheres que querem ter filhos, pois aumenta o risco de complicações na gravidez.
Mais recentemente, também tem sido usada a ablação por radiofrequência, na qual uma agulha ultrafina é direcionada ao mioma e o queima para reduzir seu tamanho. É uma abordagem que tem de 85 a 90% de sucesso, mas restrita a casos em que há poucos miomas e eles não são tão grandes.
No afã de resolver a chateação, algumas mulheres recorrem a receitas caseiras e chás. Eles até podem aliviar o mal-estar, mas não dão fim aos nódulos. Então cuidado com as promessas por aí!
A fonoaudióloga Flavia Giacinto, do início da nossa história, tirou as pedras de seu útero e do caminho, ingressando, enfim, no mundo da maternidade. “Só espero que, num futuro próximo, mais mulheres tenham suas queixas acolhidas e possam realizar seus sonhos”, diz a mãe da Luisa.
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Por que eles aparecem?
Conheça alguns fatores de risco para o desenvolvimento desses nódulos no útero
Período fértil
O crescimento de miomas é estimulado por hormônios femininos. Portanto, eles costumam surgir antes da menopausa.
Histórico familiar
Se a sua avó, mãe ou irmã tiveram, a probabilidade de desenvolvê-los é três vezes maior. Os genes têm grande influência.
Mulheres negras
Elas têm uma chance, no mínimo, duas vezes maior de ter miomas comparadas a mulheres de outras etnias, em todas as faixas etárias.
Obesidade
O excesso de peso está associado ao risco de ter nódulos maiores e em maior quantidade. O controle de condições metabólicas é essencial.
Nuliparidade
Mulheres que não têm filhos também estão entre as mais predispostas a desenvolver o problema, que dificulta a gravidez.
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Nem tudo é igual
Miomas são descritos conforme sua localização para o acompanhamento e o planejamento da conduta terapêutica
Subserosos
São nódulos que estão em maior contato com a serosa, uma camada mais externa do útero. Em geral, causam menos sintomas.
Intramurais
Eles estão localizados mais ao meio do miométrio, dentro do músculo uterino. Podem estar associados a dores e sangramentos.
Submucosos
Esses miomas estão mais próximos do endométrio, camada interna da cavidade uterina. Tendem a provocar mais sintomas.
Pedunculados
Eles aparecem em contato com a serosa ou com o endométrio, unidos por um pedúnculo, uma haste que os conecta ao útero.
Híbridos
Estão em contato tanto com a serosa como com o endométrio. Costumam provocar pressão pélvica e sangramento.
Como avaliar e se livrar deles
Conheça as principais formas de diagnóstico e tratamento disponíveis hoje
Diagnóstico
- Ultrassonografia: o método transvaginal costuma ser o exame mais utilizado para a identificação de miomas e outras doenças ginecológicas.
- Histeroscopia: geralmente indicada para observar tumores submucosos, aqueles que estão mais próximos da parede interna do útero.
- Ressonância: quando o médico precisa saber detalhes sobre o nódulo (seja para diagnóstico, seja para a cirurgia), essa tende a ser a opção.
Tratamentos
- Remédios: eles podem ser úteis no controle dos sintomas e indicados antes de cirurgias, mas, em geral, não costumam acabar com os nódulos.
- Miomectomia: são vários os procedimentos e as cirurgias que podem ser realizados para a retirada de miomas e preservação do útero.
- Histerectomia: é a solução definitiva para os miomas por extrair o útero, mas deve ser bem discutida por ser um tratamento irreversível.
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