Saúde mental no trabalho agora será garantid…
A jornalista paranaense Izabella Camargo, uma das principais vozes em prol da causa da saúde mental no trabalho, encontrou um jeito criativo de explicar o que é burnout: ela compara a síndrome a uma pane automotiva.
Se você pretende viajar no feriadão, o que faz? Examina os pneus, enche o tanque, verifica o freio… Já imaginou se esquece de colocar água no radiador? Em alguma curva da estrada, a água vai ferver, a temperatura vai subir e o motor pode pifar. Algo semelhante acontece com a gente. Se você cuida do corpo, mas descuida da cabeça, pode ficar pelo caminho.
Foi o que aconteceu com ela no dia 14 de agosto de 2018, quando sofreu um apagão em um telejornal ao vivo e, na sequência, se afastou do trabalho com o diagnóstico de burnout. “Agora um dos meus lemas é: ‘Desacelerar para continuar em movimento!’ Porque, para manter o ritmo, você precisa ter pausas”, afirma.
O que aconteceu com Izabella Camargo não foi um caso isolado. Nos últimos dez anos, o número de afastamentos por transtornos mentais mais que dobrou no Brasil: passou de 221,7 mil em 2014 para 472,3 mil em 2024. Desse quase meio milhão de licenças médicas, 141,4 mil foram por ansiedade e 113,6 mil por depressão.
No ranking dos benefícios por incapacidade temporária (o antigo auxílio-doença), ansiedade e depressão ocupam o quarto e quinto lugar — estão atrás de dor na coluna, hérnia de disco e fratura na perna, os maiores responsáveis por baixas no país. Outros distúrbios fundem a cuca do trabalhador brasileiro: bipolaridade (51,3 mil licenças), abuso de drogas (21,4 mil) e estresse (20,8 mil).
Burnout, a síndrome do esgotamento profissional, responde por “apenas” 4,8 mil benefícios concedidos em 2024 — um número que pode estar subnotificado.
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Mas a que os especialistas atribuem esse recorde no número de afastamentos por doenças mentais?
A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association (Isma-BR), aponta três eixos de causas principais, que podem se misturar e levar a cabeça ao colapso.
Entre os fatores profissionais, há sobrecarga de trabalho, falta de reconhecimento e assédio moral. Entre os pessoais, demandas fora do horário de expediente e falta de tempo para um estilo de vida saudável. E, entre os econômicos, figuram a crise financeira e a insegurança com o emprego.
“Muitos profissionais querem cumprir metas e realizar projetos, mas não conseguem. Só que não têm nem sequer autonomia para tomar decisões e ainda vivem com medo da demissão”, analisa Rossi.
Um dado curioso é que, dos 472,3 mil afastamentos no país, 301,3 mil foram de mulheres (63,8%) e 170,9 mil de homens (36,2%). E os três estados mais atingidos foram São Paulo (125,1 mil), Minas Gerais (65,4 mil) e Rio Grande do Sul (37 mil).
Os trabalhadores, porém, não são os únicos a penar com os estragos causados pelo ambiente tóxico e a carência de autocuidado. Os patrões também perdem.
É o que diz a médica Gilvana Campos, diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT): “Se os liderados enfrentam dificuldade para voltar ao trabalho ou se reinserir no mercado, os líderes sofrem com o aumento do absenteísmo e a queda na produtividade”. Sobra até para o governo, que tem que arcar com gastos previdenciários. “O impacto é generalizado.”
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), revela que o problema não se limita ao Brasil. Segundo dados do Relatório Mundial de Saúde Mental (2022), 15% da população adulta do planeta, algo em torno de 1,2 bilhão de pessoas, sofre de algum transtorno mental que pode ter envolvimento direto ou indireto com o serviço.
Só a depressão e a ansiedade, os maiores vilões da história, roubam 12 bilhões de dias úteis por ano. Isso custa à economia global quase 1 trilhão de dólares. Em alguns países asiáticos, a situação é tão grave que “morrer de tanto trabalhar” já virou até palavra no dicionário: karoshi no Japão e gwarosa na Coreia do Sul.
“Apesar de se falar do risco de acidentes de trabalho, discutir saúde mental ainda é tabu”, afirma Vinícius Pinheiro, diretor do Escritório da OIT no Brasil. “Quando você investe em cuidados mentais, todos ganham: do trabalhador à sociedade.” Se alguém duvida ou discorda dessa noção cada vez mais consensual, agora terá de lidar também com a força da lei brasileira.
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Em janeiro de 2022, o quadrinista francês Fabien Toulmé viajou para a Coreia do Sul. Lá, ouviu o desabafo dos pais de Deok-Jun, o funcionário de uma empresa de comércio eletrônico.
Eles contaram que o filho trabalhava seis dias por semana, das 19 às 4h. Em abril de 2020, o rapaz machucou os joelhos de tanto carregar peso. Mesmo de licença, continuou a bater ponto.
“Se eu ficar em casa, vão me substituir”, pensou. “Parece exausto”, alertou a mãe. “Faça uma pausa”, aconselhou o pai. “Não vai acontecer nada comigo. Sou jovem”, ele deu de ombros. Dois dias depois, Deok-Jun morreu. Entrou no banheiro e não saiu mais. Tinha 27 anos.
“Se o seu trabalho é fonte de doença ou sofrimento, há algo de errado nele”, adverte Toulmé, o autor da HQ Trabalhar e Viver (Nemo – clique para comprar*), que narra, entre outras histórias, a tragédia do coreano. “Deveríamos trabalhar para viver, não viver para trabalhar”, resume o francês, ele mesmo um engenheiro que, em 2008, resolveu trocar de profissão.
Sobrecarga de trabalho, falta de reconhecimento e assédio moral, três dos fatores levantados pela psicóloga Ana Maria Rossi como responsáveis pelo aumento no índice de afastamentos, podem causar de distúrbios mentais a físicos.
No caso de Deok-Jun, o rapaz que morreu de tanto trabalhar, o atestado de óbito revelou que ele sofreu um ataque cardíaco durante o banho. Não por acaso, chegou a se queixar, um dia antes, de dor no peito e ânsia de vômito.
“Nos casos mais críticos, a exposição prolongada a esses e outros riscos psicossociais pode levar o indivíduo a desfechos trágicos, como o suicídio”, alerta Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude, empresa que desenvolve programas de saúde mental para outras companhias.
A nova lei e seu adiamento
O assunto gerou tamanha preocupação e mobilização no Brasil que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu atualizar a Norma Regulamentadora 1 (NR-1), uma das 38 que vigoram no país, que trata do gerenciamento de riscos no ambiente de trabalho.
A lei deveria entrar em vigor no dia 26 de maio, mas sua aplicação prática, por meio de fiscalizações, só valerá a partir da mesma data em 2026. Enquanto isso, um manual técnico deverá ser elaborado e ações educativas implementadas.
A partir do ano que vem, então, as 4,5 milhões de empresas existentes no país, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), terão que zelar pela saúde mental de seus empregados como cuidam (ou deveriam cuidar) do bem-estar físico deles. Como? De três maneiras: avaliando riscos, identificando problemas e buscando soluções.
“Os riscos psicossociais são tão graves quanto os físicos e químicos. Em alguns casos, até mais perigosos”, adverte a neurocientista Marina Mezzetti, fundadora da consultoria Neuro(efi)ciência. “A diferença é que eles agem de maneira mais silenciosa e progressiva.”
São incontáveis os exemplos de riscos psicossociais: jornadas exaustivas, metas irreais, condições insalubres, abusos de chefia… “Em tese, todo e qualquer trabalhador está sujeito a sofrer danos emocionais. Mas algumas profissões são mais vulneráveis do que outras”, ressalta a psicóloga Jacqueline Resch, idealizadora da Resch Recursos Humanos.
“Entre as mais suscetíveis, destaco médicos, policiais, bombeiros, atendentes de call center e controladores de tráfego aéreo.” Só que não adianta mandar e-mail aos colaboradores pedindo que cuidem de si ou fazer campanhas de conscientização de uma mísera semana. Agora, com o peso da lei, as empresas terão de adotar medidas preventivas e criar planos de ação e solução.
Em tese, todo mundo tem a ganhar com isso. “Cuidar da saúde mental dos empregados pode ser altamente rentável para a empresa”, afirma o psicólogo Francisco Nogueira, colunista de VEJA SAÚDE. “Quanto mais saudável o funcionário for, mais engajado e produtivo tende a ser.”
Mas o que acontecerá se as companhias não seguirem a nova norma a partir de 2026? Elas poderão pagar multas e até sofrer interdições. Os valores das penalizações variam segundo o tamanho da empresa, o número de funcionários e a gravidade da infração.
“Na prática, pode haver até suspensão parcial ou total das atividades até que as irregularidades sejam corrigidas”, explica a advogada Adriana Calvo, doutora em direito do trabalho pela PUC-SP.
Para que essas medidas sejam tomadas, os auditores fiscais do ministério responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos devem respeitar o critério da dupla visita. Primeiro, eles vão orientar os empregadores; só depois, se nada mudar, vão aplicar as multas.
“Se sofreu assédio ou adoeceu no trabalho, o empregado pode denunciar a empresa no MTE ou no Ministério Público do Trabalho, procurar o sindicato ou ajuizar ação com pedido de danos morais e materiais”, orienta Calvo. Ou seja, pode fazer valer seus direitos.
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O que pode levar ao colapso
Algumas situações aumentam a exposição do trabalhador a ansiedade, burnout e afastamento…
Excesso de trabalho
Tarefas demais para pouca gente ou pouco tempo: nesses casos, o trabalhador tende a perder prazos e a descumprir metas. Quando entrega, o resultado está ruim.
Falta de autonomia
É quando o empregado não tem liberdade para realizar o trabalho que lhe foi confiado. A cada passo, precisa consultar o líder. Nesse contexto, pode se sentir incapaz ou desmotivado.
Metas irrealistas
Quando o prazo que um trabalhador tem a cumprir não condiz com a quantidade de trabalho que ele tem para fazer. Resultado: não consegue entregar no prazo ou com qualidade.
Assédio moral e sexual
Assediar é perseguir com insistência. Pode ser moral (quando se submete alguém a situações humilhantes) ou sexual (quando há viés sexista) — 95% das vítimas são mulheres.
Alta rotatividade
Não para ninguém na empresa. Mal entra e o funcionário já está pedindo para sair. Pode ser por insatisfação com salários e benefícios, ambiente tóxico, falta de perspectivas etc.
Absenteísmo e presenteísmo
O primeiro é quando o trabalhador falta ao trabalho sem justificativa, chega atrasado ou sai antes da hora. Presenteísmo é quando está fisicamente ali, mas com a cabeça lá longe.

Por que o trabalho adoece?
Em 2019, Patrick Fernandes, então com 32 anos, começou a sentir os primeiros sintomas de depressão: à noite, ele não conseguia dormir; pela manhã, não queria levantar.
“Tantas vezes, encolhido na cama, desejei que não houvesse amanhã”, desabafa o capixaba, hoje com 37. “Como eu queria não ter que acordar e passar por aquilo de novo.”
Diagnosticado, fez terapia, tomou remédio, tirou licença. Passou uns dias na casa do irmão, em Santo Antônio do Canaã, distrito de Santa Teresa (ES). Fernandes não é médico, policial ou bombeiro. É padre e, a exemplo de Izabella Camargo, também foi afastado do trabalho por transtorno mental.
“Mesmo nos dias mais escuros, nunca deixei de rezar: ‘Pode levar tudo, só não tire do meu coração a esperança de que isso vai passar’”, relata no livro Conversas sobre Alegria (Best Seller – clique para comprar*). “O que nos move é a esperança. Viver sem esperança é o retrato da escuridão.”
A última edição do estudo State of the Global Workplace, realizado pelo Instituto Gallup com 128 mil trabalhadores, faz um raio X do problema: 46% dos brasileiros estão estressados, 25% sentem tristeza e 18% têm raiva. E não importa se você trabalha na maior emissora de TV nacional, como era o caso da jornalista, ou na Paróquia São Sebastião, em Parauapebas (PA), como o sacerdote.
A situação, aliás, não é menos preocupante no ambiente clerical. Segundo uma pesquisa espanhola, 60% dos padres diocesanos já sofreram burnout, 34% tiveram ansiedade e 7% cogitaram o suicídio.
“Há dois fatores por trás. O primeiro é pessoal: lidar com o sofrimento do próximo pode ser adoecedor; o segundo é institucional, ou seja, a Igreja nem sempre cuida de quem cuida”, analisa o psicólogo Vagner Sanagiotto, autor de A Saúde Mental no Contexto da Vida Religiosa Consagrada e Presbiterial (Paulinas – clique para comprar).
Assim como qualquer trabalhador, desde os que não têm vínculo até os de carteira assinada, está sujeito a sofrer abalos psicossociais, toda empresa, de pequeno, médio ou grande porte, gera impactos positivos ou negativos no estado mental dos colaboradores.
Então como saber se o lugar onde trabalho é saudável ou tóxico? O psiquiatra catarinense Guido Boabaid May, ligado ao Hospital Israelita Albert Einstein (SP), dá algumas dicas.
A primeira delas é o volume de tarefas: “Muitas vezes, há trabalho demais para pouco trabalhador”. Sobrecarregado, o sujeito não entrega o que se espera no prazo estipulado. Quando entrega, o resultado está aquém do desejado.
Por falar em prazo, outro bom indicador de toxicidade é um tempo curto para uma meta ambiciosa. É aquele chefe que, na sexta-feira à noite, pede para refazer a apresentação para segunda de manhã. “Por que estou fazendo isso comigo?”, foi o que pensou, em 2002, um dos personagens retratados por Toulmé na HQ Trabalhar e Viver.
Insatisfeitos, o que os funcionários fazem? Uns não param quietos em emprego algum. Mal são admitidos e já estão pedindo demissão. É o chamado turnover (“rotatividade de pessoal”). Fato: quando a empresa é tóxica, a rotatividade é alta.
Outros trabalhadores não têm coragem para pedir as contas, e a saída que encontram é o quiet quitting (“demissão silenciosa”). Em outras palavras: fazem o mínimo possível para não serem mandados embora. Outros, ainda, até comparecem ao trabalho, mas é como se não estivessem lá.
São os primeiros a chegar, os últimos a sair e, mesmo assim, não produzem. A esse fenômeno os experts dão o nome de “presenteísmo”. “As empresas falam muito de eficiência e performance e pouco de inclusão e equidade”, lamenta a administradora Renata Rivetti, da Reconnect Happiness at Work.
Sim, isso impacta o bem-estar dentro do escritório ou fora dele — afinal, vivemos tempos de trabalho híbrido.
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O peso do assédio
Uma palavrinha que consta em qualquer lista de ambiente tóxico é assédio. De origem latina, significa operação militar ao redor de uma praça de guerra.
No espaço de trabalho, há dois tipos: o moral e o sexual. Em ambos, pode ser horizontal ou vertical. “Se o horizontal é entre colegas, o vertical pressupõe hierarquia”, traduz Cris Kerr, CEO da CKZ Diversidade e autora do livro Cultura Organizacional Livre de Assédio (Literare Books – clique para comprar).
No caso do moral, pode ser sutil ou agressivo. Sutil é quando o líder impede o liderado, por exemplo, de ir ao banheiro ou tirar férias; e agressivo quando faz uso de acusações, insultos ou xingamentos.
No caso do sexual, há exemplos clássicos: beijar a vítima, fazer massagem ou tocar em partes do corpo de maneira não consensual. “Não precisa haver contato físico”, explica Kerr. “Pode ser desde um olhar malicioso até um convite insistente.”
Pasme, mas três em cada dez trabalhadores relataram ter sofrido algum tipo de assédio nos últimos 12 meses. É o que mostra a pesquisa Mapa do Assédio no Brasil, conduzida pela KPMG com 500 participantes. Outros números impressionam: 46% dos entrevistados relataram ter sofrido assédio moral, 14%, sexual, e 92% das vítimas não denunciaram o ocorrido.
Os danos causados pelo importuno são múltiplos: vão de sentimento de culpa e vergonha a baixa produtividade e crises de pânico. Para denunciar o agressor, a vítima deve ter provas e apresentá-las a canais de denúncia, como RH, ouvidoria ou sindicato. “O silêncio nunca é neutro. Só permite que o problema não tenha fim”, afirma Kerr.
Não é tudo igual
Um glossário para entender as diferenças entre termos aplicados a transtornos mentais dentro e fora do trabalho.
Ansiedade
Quando você possui medo de algo, mas não sabe dizer do quê. No caso do trabalho, a tensão pode bater com tarefas específicas ou com o ambiente em si.
Depressão
O empregado não tem ânimo para nada: levantar da cama, tomar banho, pegar ônibus… Por que isso acontece? Um trabalho ruim pode estar por trás.
Estresse
É o que você sente quando há uma ameaça à vista. E tanto faz se essa ameaça é real ou imaginária. Quando se perde o controle, o corpo se ressente.
Boreout
É um tédio crônico ligado ao emprego. Um trabalho é maçante quando ele não desafia o indivíduo. O sujeito se acomoda, mas vive infeliz — e a empresa sofre com isso.
Burnout
É a síndrome do esgotamento profissional, quando o trabalhador chegou ao limite físico e psíquico. Requer mudanças e tratamento.

“Por favor, se cuidem. E cuidem de sua saúde mental.” O apelo, postado em uma rede social, é da cantora Fafá de Belém, de 68 anos. Numa terça-feira, 25 de março, ela tentou levantar da cama, mas não conseguiu: sentiu dor no peito, falta de ar e tremor no corpo. Sem saber onde estava, foi levada às pressas para um hospital de São Paulo.
Na unidade, os médicos diagnosticaram burnout. “Passei muito mal”, relata. Na quinta, dia 27, precisou cancelar uma palestra sobre etarismo. “Estou bem. Fiquem tranquilos. Decidi falar sobre o assunto porque pode ajudar outras pessoas”, publicou em seu perfil no Instagram. “Não pensem duas vezes diante de qualquer sinal de esgotamento. Procurem ajuda médica.”
Este ano, Fafá de Belém comemora meio século de carreira. No momento, concilia a agenda de shows com a gravação de seu novo álbum, só com clássicos do rock.
Do palco ao escritório, a síndrome de burnout não se limita a uma ou outra profissão. Reconhecida como doença ocupacional pela OMS desde 2022, de lá para cá ela ganhou uma irmã, a síndrome de boreout. De origem inglesa, o termo deriva da palavra bored, que quer dizer “entediado”. Ou seja: se o burnout se caracteriza por um esgotamento, o boreout cristaliza o tédio crônico.
Nos EUA, o antropólogo David Graeber (1961-2020) criou o termo bullshit job (“trabalho de merda”) para designar aquele emprego no qual o funcionário não tem nada de bom para fazer o dia inteiro. “Nessas circunstâncias, o sujeito não tem nenhum ânimo, vontade ou estímulo para fazer seu trabalho”, explica o médico Marcos Mendanha, autor do livro O Que Ninguém Te Contou sobre Burnout (JH Mizuno – clique para comprar).
“Mas pequenos ajustes, como reconhecimento das tarefas realizadas e recompensa por algo exitoso, podem começar a resolver o problema”, sugere.
Para aferir a saúde mental do trabalhador brasileiro, o médico português Rui Brandão, CEO do Zenklub, criou o Índice de Bem-Estar Corporativo (IBC). Ele calcula nove fatores, como Relacionamento com Líderes, Clareza nas Responsabilidades e Desconexão do Trabalho.
Depois de entrevistar 17 mil funcionários de mais de 500 empresas nacionais, o time de Brandão chegou à média de 64,5 pontos, muito abaixo do índice considerado ideal, 78. E mais: dos 16 setores analisados, os três piores são Saúde (60,8 pontos), ONGs (59,9) e Automotivo (58,2).
“A saúde do trabalhador brasileiro respira por aparelhos. Na maioria das vezes, nossa empresa é chamada quando o ‘paciente’ já apresenta indícios de transtorno”, contextualiza. “Os empresários precisam entender que cuidar da saúde do empregado antes de ele adoecer é mais humano, eficaz e sustentável para a empresa.”
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Como melhorar de verdade
Mas será que, com a nova lei, esse cenário se transformará? O Ministério do Trabalho esclarece que a NR-1 não obriga nenhuma empresa a contratar psicólogos ou terapeutas para avaliar os riscos psicossociais de seus empregados.
Os empresários podem recorrer a consultorias para, entre outras atribuições, identificar problemas e buscar soluções. Indagados sobre se estão otimistas quanto ao cumprimento da norma, os especialistas se dividem. Uns dizem que sim: não é custo, é investimento, eles alegam.
“As empresas precisam ir além do discurso e implementar ações estruturais para a promoção da saúde mental”, reivindica o psicólogo Saulo Velasco, da The School of Life. Outros ficam com o pé atrás: sem fiscalização, ponderam, nada muda. “Algumas empresas podem adotar apenas medidas superficiais para cumprir a legislação, sem enfrentar as reais causas do problema”, adverte Gilvana Campos, da ANAMT.
O psiquiatra Guido Boabaid May levanta outro ponto de atenção: “É essencial que a empresa também tenha condições de encaminhar pessoas em sofrimento mental a um diagnóstico e tratamento correto”.
E o trabalhador que não está se sentindo bem, o que ele pode fazer? Há duas alternativas, propõe Tatiana Pimenta, da Vittude. Na primeira, ele pode tentar o diálogo com seu chefe ou com o RH da empresa. Na segunda, pode convocar os colegas e, juntos, negociarem melhorias junto à ouvidoria ou à CIPA, sigla para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.
“Sou otimista. Mas não sou otimista ingênua, e sim racional. Acredito que nada muda do dia para a noite”, reflete Rivetti sobre a NR-1. “Aos poucos, as empresas vão começar a sentir no bolso o impacto de não cuidar da saúde mental de seus funcionários.”
Ao menos, novos passos foram dados nessa caminhada. “Só que o caminho pela frente ainda é longo”, diz a consultora.

Os EPIs da saúde mental
Propostos por Izabella Camargo, os equipamentos de proteção individual (EPI) ao estado psicológico visam construir ambientes melhores.
Segurança psicológica
Todos os funcionários de uma empresa, dos líderes aos liderados, precisam ser capacitados e se sentir confortáveis para iniciar um diálogo.
Direito à desconexão
Receber ou responder e-mails, ligações ou mensagens relacionados ao trabalho fora do horário de expediente? Só se for exceção da exceção. Isso é um direito.
Flexibilização
É um modelo de gestão que permite ao colaborador definir sua rotina. Inclui desde a escolha do horário até o local de trabalho (remoto, presencial ou híbrido).
Confidencialidade
Casos de assédio, entre outros, precisam ser denunciados aos canais competentes. E o denunciante precisa ter certeza de que não sofrerá represálias.
Gestão do tempo
Uma das táticas criadas por Izabella Camargo é a da “bolacha” de papelão: de um lado, a mensagem “Estou disponível”; do outro, “Não posso falar agora”.
*A venda de produtos por meio dos links pode render algum tipo de remuneração à Editora Abril.
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