5 anos de covid-19: os legados da pandemia n…
Há 5 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava que a covid-19 havia se tornado uma pandemia. De lá para cá, mais de 715 mil brasileiros morreram e 39 milhões contraíram a doença, que até então era desconhecida.
Ainda hoje o coronavírus faz vítimas. Na última semana epidemiológica, foram 22 mil novos casos e 153 mortes, apontam os dados do Ministério da Saúde. A situação não é mais a de antes, mas também não dá para dizer que a vida voltou “ao normal”. Pelo contrário: a pandemia mudou de vez a saúde e a ciência.
Por um lado, novos jeitos de atender, adventos tecnológicos e o aperfeiçoamento de mecanismos melhoraram a experiência do paciente, além de agilizarem a realização de pesquisas e a produção de vacinas.
Por outro, a desinformação em saúde e os ataques à ciência vieram para ficar, assim como desigualdades históricas e erros de gestão se perpetuaram.
A seguir, 7 especialistas renomados, envolvidos na comunicação pública, na pesquisa ou no enfrentamento direto ao vírus, destacam os principais legados da covid-19.
Carlos Carvalho
Diretor da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Teve papel fundamental tanto na linha de frente do atendimento quanto no desenvolvimento de estudos sobre o assunto.

“Nesses cinco anos, aprendemos muitas coisas, muitas positivas e algumas negativas. Vou focar em uma, que foi muito marcante para mim, particularmente, apesar de ter participado de várias fases da pandemia.
Uma coisa em que houve uma mudança de cultura e um grande desenvolvimento foi a saúde digital. Através do telemonitoramento, da teleconsulta e da teleinterconsulta, conseguimos levar para a população dos locais mais longínquos do Brasil uma medicina de qualidade, que se faz nos grandes centros.
E quebramos resistências culturais por parte da população e dos profissionais da área da saúde.”
Denise Garrett
Epidemiologista e vice-presidente de epidemiologia aplicada do Sabin Institute, nos Estados Unidos, que atua na pesquisa e desenvolvimento de vacinas. Denise tem décadas de experiência com saúde pública e, durante a pandemia, esclareceu dúvidas e combateu a desinformação em saúde.

“Podemos falar sobre o legado profundo no campo das vacinas, acelerando inovações e demonstrando o potencial das tecnologias emergentes, como o RNA mensageiro. Sem dúvidas, o desenvolvimento e a distribuição rápida dos imunizantes contra a covid-19 estabeleceram novos padrões para a resposta a surtos e pandemias futuras.
Além disso, desafios como a hesitação vacinal e desigualdades no acesso mostraram a importância de fortalecer sistemas de saúde e de estratégias de comunicação para garantir a aceitação e a equidade das vacinas.”
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Celso Granato
Infectologista e patologista clínico da Sociedade Brasileira de Patologia Clinica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML). Coordenou a aplicação de testes diagnósticos no país e participou de iniciativas de vigilância.

“Foi um aprendizado muito duro. Foram certamente mais de 7 milhões de mortes, e isso é inaceitável. Cada vida perdida foi uma tragédia, e precisamos tirar lições disso.
Em primeiro lugar, a importância da vigilância desses vírus. Não é à toa que, recentemente, foi descoberto outro coronavírus em morcegos, também na China, na região central do país. Isso mostra que precisamos manter uma vigilância constante, assim como já fazemos com a gripe, inclusive monitorando sua presença em animais.
Outra lição fundamental é o desenvolvimento de vacinas e antivirais. Embora os coronavírus sejam diferentes entre si, compartilham mecanismos em comum, e é possível explorar isso. Assim, quando uma nova ameaça surgir — e isso certamente acontecerá —, já teríamos um tratamento pronto para ser escalado rapidamente.
Por fim, é crucial fortalecer a conscientização sobre saúde pública. Em países como o Japão, por exemplo, o uso de máscaras e a higienização das mãos são adotados automaticamente diante de surtos de doenças respiratórias. Essas são medidas universais que ajudam a conter a disseminação de diversos vírus, desde o resfriado comum até a gripe, o vírus sincicial respiratório e os próprios coronavírus.”
Ester Sabino
Médica e imunologista. Professora do Departamento de Moléstias Infecciosas da Faculdade de Medicina da USP. Primeira brasileira a sequenciar o código genético do Sars-Cov-2, e em tempo recorde.

“A epidemia mostrou a necessidade de aprimoramento das instituições que fazem vigilância no mundo. Além disso aumentou a consciência sobre o impacto das alterações do meio ambiente no surgimento de novos agentes infecciosos e epidemias.”
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Gerson Salvador
Infectologista do Hospital das Clínicas da USP, professor da faculdade de medicina da instituição. Atuou na linha de frente do atendimento na pandemia e manteve um blog sobre o assunto na Folha de S. Paulo.

“O legado mais relevante foi a possibilidade de desenvolver, produzir e distribuir vacinas eficazes em um tempo que pareceria impraticável até antes da pandemia.
Paradoxalmente, o principal legado negativo também se relaciona às imunizações, com o fortalecimento de grupos organizados que militam contra as vacinas, financiados e estruturados para divulgar mentiras sobre vacinas.
Tais grupos promovem a resistência às imunizações com viés político, como uma marca de liberdade dos indivíduos, como se deixar as pessoas e populações vulneráveis a doenças infecciosas pudesse fazer delas mais livres!”
Gonzalo Vecina Neto
Médico sanitarista, professor da Faculdade de Saúde Pública da Anvisa, ex-presidente da Anvisa. Teve papel fundamental na comunicação de informações sobre o coronavírus.

“Não podemos esquecer nunca que a pandemia foi um desastre sanitário imenso, e o Brasil teve a 3ª maior mortalidade do mundo, apesar de sermos o 9º país em população.
Foram muitos os erros cometidos pelo estado brasileiro na proteção de sua população. Comparando com países que tiveram gestão melhor da crise, como a Coreia do Sul, vemos o quão desastrosa foi a gestão da pandemia.
Só não foi pior porque tínhamos um sistema único de saúde bastante descentralizado, então municípios e estados puderam tomar decisões apesar da falta de atitude do governo federal.
Outro aprendizado é a necessidade de disponibilizar mais rápido as vacinas. Nossos primeiros imunizantes só chegaram por causa do Butantan e a da Fiocruz, que, à revelia do estado brasileiro, fizeram acordos para importar doses. As vacinas da Pfizer demoraram muito a serem compradas.
Um terceiro ensinamento é a questão do ensino, foi um erro muito grave paralisar as aulas por tanto tempo. Era importante proteger as crianças e os professores, mas nenhum país civilizado fez o que nós fizemos. Esse prejuízo no aprendizado e no desenvolvimento não será revertido. Precisamos lembrar disso no futuro.
E o quarto aprendizado é não demorar para assumir a necessidade de máscaras e de isolamento frente a uma doença infectocontagiosa de transmissão respiratória. Para se isolarem em casa e se protegerem, as pessoas precisam ter dinheiro e comida, e muitas tiveram que sair para trabalhar e se infectaram.
Sobretudo, fica a lição de valorizar o SUS e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprovou vacinas necessárias e não aprovou produtos sem a eficácia e a segurança desejáveis.
Espero que com essas lições estejamos mais preparados para a próxima crise. E a próxima crise está sempre na esquina“.
Paulo Brandão
Virologista, professor da USP. Estuda os diferentes coronavírus e é colunista de VEJA SAÚDE.

“Um legado muito sólido que guardamos da pandemia de covid-19, que ainda está em andamento, é a agilidade com que instituições de pesquisa independentes, autoridades de saúde e a indústria farmacêutica conseguem atender uma doença emergente, que se espalhou com rapidez assustadora.
Em tempo hábil, testes de diagnóstico, vacinas e antivirais foram produzidos, e medidas fundamentais foram implementadas, como o isolamento, uso de máscaras e quarentenas. Essa agilidade não veio do nada, mas sim do conhecimento acumulado ao longo de anos, graças ao investimento em ciência.
Mas uma herança negativa foi o crescimento do movimento antivacina, anticiência e das fake news, responsáveis por milhares de mortes evitáveis.
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